O Brasil precisa enxergar a Cidade Invisível

A série possui 7 episódios de aproximadamente 30 minutos cada Foto: Reprodução/Netflix

Cidade Invisível, a nova produção nacional disponível no catálogo da Netflix, estreou no dia 5 de fevereiro. A partir daí, fomos apresentados a um novo mundo subterrâneo, habitado por criaturas fantásticas e muitos mistérios inspirados pelo nosso folclore. 

A trama gira em torno do detetive Eric (Marcos Pigossi), do Departamento de Proteção Ambiental do Rio de Janeiro. Logo de início, Eric precisa lidar com um trauma muito grande, ao mesmo tempo que os estranhos e sombrios desdobramentos das suas investigações se entrelaçam com a sua vida.

O diretor Carlos Saldanha (Rio, A Era do Gelo, e O Touro Ferdinando) trouxe um alto nível de sobriedade para as lendas brasileiras, inspirando respeito de quem assiste, não importa de qual lugar do mundo. 

O roteiro, à primeira  vista, parece ser fraco. Em diversos pontos liga-se com a série Grimm – Contos de Terror (2011-2017): o detetive é o ponto central, existe a mistura entre os elementos fantásticos (no caso da produção estadunidense, advindos da mitologia dos Irmãos Grimm) e a realidade, os novos seres representam um perigo ao cônjuge e ao colega de trabalho dos protagonistas, ambos não sabiam sobre a sua linhagem genealógica — que influencia todo o resto da história, diga-se de passagem. 

Entretanto, conforme os capítulos vão avançando, as semelhanças ficam cada vez mais distantes. Em Cidade Invisível, os personagens sobrenaturais são fixos e se desenvolvem a um nível mais profundo. Cuca (Alessandra Negrini), Iara (Jessica Cores), Curupira (Fábio Lago), Saci (Wesley Guimarães), Boto Cor-de-Rosa (Victor Sparapane), Corpo-Seco (Eduardo Chagas) e Tutu Marambá (Jimmy London) vivem à margem da sociedade, infiltrados na cidade como pessoas comuns. Podemos traçar um paralelo com as próprias lendas, que atualmente vivem à margem da nossa história e da nossa memória coletiva.

Com 50 anos de idade, Alessandra Negrini encarna a bruxa Cuca, um ser com dualidade de mal e bem intrínseca. (Foto: Reprodução/Netflix)

A maioria desses personagens tem a sua história de origem contada. Tanto Cuca quanto Iara, Saci e Curupira possuem um passado em que foram injustiçados e salvos pelas entidades da natureza, que de certa forma os “possuíram”, tornando-os imortais e com super-poderes. 

Todavia, algumas lendas  tiveram a sua origem indígena apagada e substituída por outra narrativa que ocorre após a chegada de Pedro Álvares Cabral e durante o período colonial. Cuca, por exemplo, teria sido uma mulher que engravidou sem estar casada. O Saci, um personagem que mistura o negro e o indígena, teria sido um negro escravizado que teve que cortar a sua perna para poder fugir do regime escravocrata. 

Se o intuito da série era retomar a relevância e importância das nossas tradições orais, fica contraditório ter a verdadeira raiz apagada e substituída por uma narrativa mais palatável ao telespectador internacional. 

Apesar disso, a qualidade da série só aumenta conforme as tramas vão se desenrolando. O detetive Eric precisa enfrentar não somente os perigos e as ameaças destes seres na sua vida real, mas acima de tudo a si mesmo, seu próprio cinismo e as suas amarras morais. O plot twist final não é totalmente imprevisto, mas acrescenta um tom de horror muito interessante para a narrativa.

Nem tudo parece ser o que é (Foto: Reprodução/Netflix)

Destaque para os efeitos especiais que não são comumente usados nas produções brasileiras, mas neste caso foram muito bem aplicados, bem desenvolvidos e não foram usados em excesso. 

O conflito principal que move todos os personagens desde o primeiro episódio é resolvido. Contudo, o último episódio deixa em abertura outros pontos, o que indicaria uma possível segunda temporada. É o que esperamos, pois a ânsia de entrar de cabeça em um mundo fantástico e 100% brasileiro foi instigada, e agora o público precisará de mais para se satisfazer.

Carlos Saldanha e a Netflix que se vire para saciar nossa fome.