Muita estrela para pouca constelação: produção de artistas em série

Por Jefferson Vicente e Karina Abel

A Indústria cultural nada mais é que um sistema de produção de cultura nos moldes do capitalismo. O termo foi criado por Theodor Adorno e Max Horkheimer, membros da Escola de Frankfurt na Alemanha e desde então, tornou-se objeto de estudo de intelectuais, estudantes de comunicação, economia e até mesmo por alguns artistas.

No livro O Que é Indústria Cultural? (Editora Brasiliense, 1980), o autor Teixeira Coelho explica que a Indústria Cultural surgiu por meio de produtos veiculados e massificados nos primeiros jornais, como o teatro de revista e a opereta, e enfatiza que sem a existência de uma economia de mercado, a indústria não existe. Sendo assim, é um fenômeno surgido no período do liberalismo e da sociedade de consumo.

A Indústria Cultural desenvolveu-se paralelamente aos meios de comunicação e através da forma que muitos aprenderam a utilizar e manipular esses meios. No mundo da música podemos citar inúmeros exemplos de “artistas fabricados”. Dos porto-riquenhos do Menudo aos sul-coreanos do BTS, passando pelas Spice Girls, Nsync, Backstreet Boys, One Direction e o grupo multiétnico Now United. Talvez um dos primeiros casos foi o grupo/série de TV The Monkees, criado pela rede norte-americana NBC em 1966 “em resposta” a beatlemania e a chamada Invasão Britânica, liderada pelos Beatles e que levou grupos como Rolling Stones, The Who e The Kinks ao sucesso nos Estados Unidos.

Após os Monkees, inúmeros artistas surgiram da mente de produtores, até mesmo no movimento punk. Um dos maiores expoentes do gênero, os Sex Pistols tiveram como seu mentor o empresário britânico Malcolm McLaren (1946-2010) que gerenciou a curta, porém emblemática carreira do grupo que ainda se reúne esporadicamente. O único álbum de estúdio da banda, Never Mind The Bollocks, Here’s The Sex Pistols (Virgin, 1977) está na lista dos 200 álbuns definitivos do Rock and Roll Hall of Fame e continua sendo influente e fundamental para a história da música.

No Brasil também não foi diferente. Tivemos fenômenos pop espontâneos, porém aperfeiçoados por empresários e pela grande mídia, que deixaram um grande legado para história da música nacional, como Roberto Carlos e Wilson Simonal nos anos 60, os Secos & Molhados na década de 70, Blitz, RPM e Ritchie como parte do movimento roqueiro que tomou os anos 80 e os Mamonas Assassinas nos anos 90, que tiveram sua carreira interrompida pelo trágico acidente aéreo que matou todos do grupo em 1996.

Porém existem outros casos de grupos fabricados por empresários e por talent-shows, que tiveram carreira efêmera, como os grupos Dominó e Polegar, criados pela Promoart, produtora do apresentador Gugu Liberato (1959-2019) no final da década de 1980. Rouge e Br’oz pelo famoso produtor musical Rick Bonadio no programa Popstars, exibido pelo SBT entre os anos de 2002 e 2003 e até mesmo as bandas coloridas surgidas do final dos anos 2000, como Cine e Restart, tiveram sua carreira promovida por fortes empresários e grandes investimentos. Todos esses tiveram um sucesso estrondoso, porém, com uma carreira efêmera.

Atualmente, esse modelo ainda é visível na música brasileira. O sertanejo universitário, gênero de maior sucesso no país detém boa parte do monopólio de execuções de rádio e de televisão. Desde 2015, apresentam cerca de 80 músicas nas listas de músicas mais tocadas do ano, enquanto outros estilos não conseguem ter a mesma execução. Muitos “copiam” duplas e cantores que já possuem uma carreira consolidada. Um artista é lançado, faz sucesso e surge uma série de outros que cantam, se vestem e possuem canções exatamente iguais.

Assim como os produtos que consumimos no dia a dia, os originários da Indústria Cultural também possuem prazo de validade. O sucesso é momentâneo, há divulgação e procura exaustiva, mas não demora muito e vem o esquecimento. A obsolescência programada também se aplica a esta categoria. Por isso o surgimento de tantos grupos, best-sellers, hits e filmes que são recordes em bilheteria. Porém, o modo de produção está consolidado. Muda-se a “roupagem”, mas sempre com a mesma proposta, que não é atribuir capital intelectual, mas sim, incentivar o consumo desenfreado.

É fundamental que existam espaços e investimentos em todos os gêneros musicais. De acordo com a lista da Crowley, principal responsável pela contagem das músicas mais executadas no Brasil, das 100 mais tocadas nas rádios em 2019, 77 são do chamado sertanejo universitário. As demais, são fenômenos internacionais, casos isolados do pop nacional e do funk como Anitta, Iza, Ludmila, Kevinho, Melim e Vitor Kley e os pagodeiros Ferrugem e Dilsinho. Enquanto isso, artistas de outros gêneros como o rock e a MPB que almejam o estrelato, não conseguem chegar ao grande público.

Por não ter uma preocupação realmente artística ou de construir uma carreira, boa parte desses artistas desaparecem, porém, a Indústria Cultural é extremamente importante. Como citado no começo do texto, muitos artistas de talento tiveram oportunidade de apareceram para o grande público e chegarem ao mainstream graças à existência deste modelo de produção. Aliado ao talento que possuem, conseguiram construir uma carreira e entrarem para a história. A existência da indústria se faz necessária até mesmo para moldar a cultura de um país, mas poderia ser muito mais ampla, principalmente tratando-se de um país de dimensões continentais, como o Brasil.