“Bom Dia, Verônica” se consagra como um thriller policial de qualidade

A série brasileira da Netflix Bom Dia, Verônica, estreada em outubro de 2020 e que foi um grande sucesso, é uma adaptação do livro de 2016 dos autores Ilana Casoy e Raphael Montes publicado pela DarkSide Books. A produção teve um grande alcance em mais de 100 países, além de ter entrado nos top 10 da Netflix Brasil no dia da sua estreia.

O enredo segue a escrivã da Delegacia de Homicídios de São Paulo Verônica (Tainá Müller) que, após presenciar o suicídio de uma mulher no escritório da polícia, decide pôr em prática suas habilidades investigativas ao procurar saber quais foram seus motivos. Ela descobre que se trata de um golpista que ataca mulheres por meio de um site de relacionamento, marcando encontros e depois drogando-as. Depois de ver a reportagem desse caso na TV, Janete (Camila Morgado) telefona anonimamente para Verônica e pede ajuda, visto que ela sofre violência doméstica e psicológica por parte de seu marido, o policial militar Claúdio Brandão (Eduardo Moscovis), que além de ser um abusador, é basicamente um serial killer.

A história é desdobrada em oito episódios que mostram Verônica tentando resolver os dois casos e, ao mesmo tempo, equilibrar sua vida profissional com a pessoal. O envolvimento da escrivã com o caso de Janete começa a se tornar perigoso tanto para ela quanto para sua família, pois no meio de suas investigações ela acaba descobrindo envolvimento da polícia em outros casos mais sérios que “legalmente” a impedem de ir atrás de Brandão e fazer justiça pela vítima. 

Ao longo dos episódios, também surgem flashbacks sobre o passado trágico da escrivã, porém, muitos fatos ficaram em aberto ao final da temporada. A Netflix já confirmou uma segunda, na qual o público espera ansiosamente que tenha mais explicações.

Tainá Müller interpreta a protagonista com muito afinco e não posso negar que fez, sim, uma excelente atuação. Ela evidencia como é frustrante ser uma mulher na polícia tendo que resolver casos de violência de gênero e enfrentando empecilhos e machismos por parte de seus colegas. No entanto, meu destaque com certeza vai para Camila Morgado e Eduardo Moscovis. Por meio dos olhares, a atriz consegue se expressar mais do que com as palavras. Seus olhos azuis, arregalados e convincentes são mais do que suficientes para o público imaginar o desespero, medo e culpa que uma vítima de violências físicas e psicológicas sente. Janete é proibida de ter uma vida social normal, sendo obrigada a ficar em casa, obedecer às ordens do marido e ajudá-lo em seus crimes de serial killer

Moscovis, por sua vez, nos faz odiá-lo, ter raiva e medo de sua figura. Dá para sentir um pouco do que Janete sente com a sua presença, ele é bem macabro. Para quem já viu outras atuações dele como um personagem mais dócil e tranquilo, como por exemplo em seu filme mais recente “Pai em Dobro” (2021), chega a ser bizarro ver o quão diferente o autor está nesse papel. Tanto Moscovis quanto Morgado comprovam com seus personagens que são atores impecáveis.

Janete e Brandão. (Reprodução/Netflix)

A série no geral é cheia de ação policial, é intensa e brutal, muito do que acontece não era de se imaginar e pega qualquer um de surpresa. Há muitas cenas de violência de gênero e alguns afirmam que talvez tenha sido desnecessária a superexposição do sofrimento feminino. Realmente, as violências são bem explícitas, não é só mais uma das séries que mostram casos de violência doméstica e abusos. Bom Dia, Verônica vai além e traz um enredo que se desenrola para um lado mais trágico e de suspense, e no caso de Janete e Brandão, mostra que o buraco é muito mais embaixo. Brandão é um personagem que eu nunca vi antes em outras séries, pelo menos não do mesmo jeito, é realmente muito perturbador. Muito da sua história também não é revelado, e espera-se que na segunda temporada isso também seja desenvolvido.

 Os autores do livro contribuíram na produção da série nos mínimos detalhes para que fosse representado o que eles imaginaram para o livro. Em entrevista ao UOL, Raphael explica que além de ter todo o clima de investigação policial, o suspense e ação, era essencial que fossem discutidos alguns temas, como a burocracia para realizar denúncias, a qualidade de trabalho dos policiais, entre outros:

“Quando aparece um crime na TV, você pensa como essa mulher caiu nesse lugar? Por que ela não fugiu? São temáticas sensíveis, e a série faz um lindo trabalho social de dar visibilidade a esse processo e às dificuldades também da polícia. Nós temos uma polícia sem dinheiro, uma cultura em que se investe mais em viatura do que em inteligência. E os salários também estão longe do ideal”.

Concluindo, é uma série extremamente perturbadora e de tirar o fôlego. Se você tem gatilhos com imagens de violência e abuso, eu não recomendo. No entanto, se você está disposto a ver, é uma produção muito importante para escancarar o que é a violência de gênero e os diversos jeitos e situações em que ela pode existir. Sendo assim, a série foi consagrada como um ótimo thriller policial, de qualidade e de respeito. É como disse o Jornal Extra, e eu concordo: “Não perde em nada para as produções internacionais”.

Ao final de cada episódio, a série mostra alertas sobre o abuso e divulga uma campanha com um link para realizar a denúncia. Em um país como o Brasil em que uma mulher é agredida a cada 2 minutos, Bom Dia, Verônica é fundamental.