Emicida: do sonho ao triunfo

No trailer do seu mais novo documentário, Emicida conta: “Tem um velho ditado iorubá que diz: Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”, como uma forma de dizer que os desafios da nossa vida começam antes do que imaginamos. Se alguns anos atrás o nome Emicida passava despercebido por grande parte da população brasileira, hoje o nome é ícone artístico e até histórico no país, e realiza tudo aquilo que nem imaginava ser possível. 

Nasceu em 1985, na zona norte de São Paulo, Leandro Roque de Oliveira. Mas foi nas batalhas de rap que nasceu Emicida, o rapper que conseguiu transformar sua vida pobre na periferia em uma carreira de sucesso e com impacto social de grande importância. 

Filho de Dona Jacira e irmão do também cantor Evandro Fióti, Emicida lança sua primeira música da carreira em 2005, “Contraditório Vagabundo”. É com esse pontapé inicial que o cantor une forças, talento e coragem para dar ao público todos os motivos para ser famoso. Em 2008, lança o single “Triunfo”; em 2009, cria (com seu irmão) a gravadora Laboratório Fantasma; e no ano seguinte, atinge o marco de 10 mil cópias vendidas do mix tape com o nome emblemático — e verdadeiro — “Para quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe”.

A partir desse momento, sua carreira ganha consistência e sua verdade ganha ouvidos. Com prêmios, Grammys, capas de revistas, festivais internacionais, álbum de estúdio e até desfile no São Paulo Fashion Week, o rapper conta situações de sua vida através das letras de suas músicas e causa empatia até daqueles que nunca se identificaram com seu estilo de vida.

Todos seus projetos são amparados pela gravadora de música Laboratório Fantasma, que segundo o próprio site do Emicida, é muito mais que isso: “uma consolidada marca de vestuário, entretenimento e agenciamento de artistas”.

A linha do tempo, neste seu site oficial, conta a história de um moleque que já mordeu um cachorro por comida e chegou longe, muito longe. Hoje, no seu segundo casamento e com duas filhas, Estela e Teresa, Emicida vive em uma casa na Serra da Cantareira, cada vez mais em calma. Calma essa que foi impulsionada na pandemia: cuidando de plantações em sua horta e fazendo queijos caseiros. 

Confessou para a Revista Rolling Stone, no ano passado: “Fui compreendendo cada vez mais a calma. Se a gente não se acalma, irmão, a gente não vai para nenhum lugar melhor do que esse que estamos agora, tá? Temos que acalmar para buscar os 4 princípios de Prisma”. AmarElo Prisma é um dos projetos mais recentes do rapper, em que numa experiência multiplataforma (no youtube, em podcasts e em imagens e textos nas redes sociais), ele traz os quatro princípios citados do Prisma: paz, clareza, coragem e compaixão.

Além do seu papel artístico, Emicida faz parte do programa semanal do GNT: Papo de Segunda. Um bate-papo que discute todos e quaisquer assuntos da atualidade. Na companhia de Fábio Porchat, Francisco Bosco e João Vicente, Emicida traz representatividade e inteligência para os debates que, com algumas discordâncias, trazem pontos de vistas diferentes e caminham entre conflitantes e pacíficos, mas sempre com um tom espirituoso. 

Ao que parece ser uma fonte inesgotável de inspiração, o artista expandiu os horizontes de sua arte saindo do audiovisual para a escrita, ao começar a escrever livros infantis. Em 2018, realizou sua primeira publicação do livro “Amoras”, com a editora Companhia das Letrinhas, um livro tão simples quanto profundo, se tratando da importância de valorizar a cor escura da pele. Em sua segunda — e última — obra escrita, Emicida mergulha no universo do medo e da coragem com os personagens de “E foi assim que a escuridão e eu ficamos amigas”. 

O rapper impulsionou sua notoriedade ao fazer um serviço público com seu documentário “AmarElo, É Tudo Pra Ontem”, uma produção Netflix em parceria com a Laboratório Fantasma, dirigido por Fred Ouro Preto. O longa revela a apresentação histórica do seu último álbum “AmarElo” no Theatro Municipal de São Paulo e junta música com aula de cultura e história da negritude brasileira, com senso de propósito e muita parceria. Uma obra que traz relevância aos negros invisíveis e esquecidos e luz à origem afrodescente, com participações inesquecíveis como Fernanda Montenegro.

O filme busca mostrar que a população negra precisa e deve ocupar todos os espaços que lhe pertencem. Segundo a revista Marie Claire, o documentário, ao contar sua história, fez crescer a busca pela escritora e intelectual Lélia Gonzalez, uma figura negra de extrema importância para o Brasil. Sem spoilers e com um toque de opinião pessoal, o fim do documentário me tocou de uma maneira peculiar, fazendo- se impossível as lágrimas não caírem.

Além disso, seu documentário aumentou ainda mais a visibilidade do Emicida no âmbito internacional: após o lançamento no streaming, veículos de diversos países fizeram matérias sobre o rapper e a importância de um documentário como esse para mostrar a cultura e origem dos brasileiros, para nós mesmos.

Como se já não fosse um ano de conquistas e notoriedade ao rapper, as provas do ENEM 2020 (que foram realizadas em 2021, devido à pandemia do novo coronavírus) contaram com frases de músicas do Emicida nas primeiras páginas da prova, ao mesmo tempo uma homenagem ao cantor e uma inspiração aos alunos. “Eu sonho mais alto que drones” foi uma delas. 

Em suas redes sociais, o artista é conciso e foca em divulgar seus trabalhos e projetos. É no Twitter que o artista se permite dar mais opiniões e é cirúrgico em seus comentários. Homenageia pessoas e trabalhos e compartilha opiniões políticas.

Recentemente, entrou numa polêmica com a rapper Flora Mattos devido ao caos de opiniões que as atitudes da cantora Karol Conká, dentro do Big Brother Brasil deste ano, causaram. Emicida se mostrou decepcionado com as atitudes de Karol no programa, porém isso o tornou alvo de críticas, pois segundo Flora Mattos, ele (e tantas outras pessoas) já sabia de como a participante do BBB é e se porta. Emicida não se posicionou publicamente sobre o assunto. 

Hoje, o rapper que quando jovem já se dizia “milionário do sonho” ocupa um lugar no Brasil inigualável. Na indústria cultural, ele inova e busca colocar cada vez mais em valor a diversidade da cultura brasileira. E aos que vivem uma situação de extrema vulnerabilidade e pobreza, como a qual ele já viveu, ele é guia e inspiração, como diz a letra do single AmarElo: “Cê vai sair dessa prisão, Cê vai atrás desse diploma, Com a fúria da beleza do sol, entendeu? Faz isso por nóiz, (…), Te vejo no pódio”.