Os telespectadores do lado de cá das telinhas concentram o olhar para o glamour e o brilho da famosa vida de filmes, séries e novelas, seja de Hollywood ou das produções brasileiras. Quase que cegos de entretenimento, muitas vezes nem paramos para pensar, como será os bastidores das produções de televisão e cinema?
Nesse lado da curiosidade, algumas manchetes nos mostram um bastidor não tão glamouroso quanto aparenta e, a partir de alguns movimentos, nos deixam cara a cara com a realidade de ambientes tóxicos e dúbios dessas produções audiovisuais em diferentes lugares do mundo, que são cheias de casos de assédios sexuais.
Nos Estados Unidos, em 2017, a reportagem de duas jornalistas do New York Times deram força ao já existente movimento #Metoo: Jodi Kantor e Megan Twohey, depois de meses de conversas, negociações e descobertas, contaram histórias de atrizes conhecidas internacionalmente que foram assediadas pelo gigante produtor de Hollywood Harvey Weinstein. Além disso, a apuração das jornalistas trouxe a tona um movimento sistêmico de assédio sexual do produtor, junto com acordos para silenciar as vítimas.
Harvey Weinstein. Foto por Getty Images.
Já no El País, uma reportagem discute o ambiente e o consentimento da emblemática cruzada de pernas de Sharon Stone no filme “Instinto Selvagem”. O longa se tornou um clássico por essa cena, porém ao ver sua nudez nas telas de cinema, a atriz afirmou: “Ele me disse que não daria para ver nada. Então tirei a calcinha e a coloquei no bolso da camisa”. O que é desmentido pelo diretor do filme, Paul Verhoeven, que disse à Revista ICON que ela estava ciente da cena: “Sharon mente”. Além desse caso, Stone também presencia outra polêmica no filme “O Especialista”, em que a atriz não queria filmar uma cena de nudez “Porque estou de saco cheio de nudez”, o que não adiantou para o seu parceiro de cena Sylvester Stallone que a embebedou para gravarem, segundo o El País.
Enquanto isso, em 2017 no Brasil, a figurinista Su Tonani, de 28 anos, fez uma denúncia pública de assédio sexual ao ator da Globo José Mayer. “A história aconteceu dentro da emissora na qual trabalhávamos. Na época, fiz uma denúncia pública. Foi difícil tomar essa iniciativa, mas, para mim, era ainda pior não expor o assunto. Não, a culpa não foi minha”, afirmou a figurinista em uma matéria escrita por ela mesma para a Vogue Brasil.
Marcius Melhem em 2017. Foto por Maurício Fidalgo_Rede Globo
Também no audiovisual brasileiro, em dezembro de 2020, o país se chocou com o relato da atriz Dani Calabresa à revista Piauí. Na reportagem, ela descreveu o caso em que o diretor de humor da Rede Globo, Marcius Melhem, forçou contato físico com ela e toda a opressão e assédio após o ocorrido. A mesma reportagem revelou que a revista ouviu outras mulheres vítimas de assédio de Melhem. O ator e humorista, em uma entrevista ao UOL, negou os casos de assédio ou de relação não consensual. O caso continua aberto na justiça após o humorista processar a advogada de Dani, Mayara Cotta, e mostrar contraprovas.
Desses relatos e denúncias, alguns movimentos de apoio às mulheres, como o já mencionado “Me Too”, nos EUA, e o “Mexeu Com Uma, Mexeu Com Todas”, no Brasil, surgiram com o objetivo de prestar solidariedade às vítimas. Porém, essas hashtags e mobilizações revelaram ainda mais vítimas de alguns casos, o que mostra a profundidade desse problema, principalmente em ambientes em que os homens possuem cargos de poder e grande influência na vida das vítimas.
Esses casos citados ganharam enorme visibilidade pelos movimentos e pela descoberta de tantas outras situações semelhantes ou idênticas. A importância de vir a público, apesar de toda a dor e dificuldade desse processo, é trazer a verdade sobre esses homens em grandes posições e lembrar a essas mulheres que em casos (ou até em tentativas) de assédio sexual, moral e estupro a culpa não é da vítima, apesar de ser ela o alvo de críticas e suspeições.
Como disse Natalie Portman sobre o livro “Ela Disse, Os Bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo”: “Não imaginava que uma história tão recente — e da qual eu pensava que já sabia tanto — era na verdade um thriller de tirar o fôlego. Meu reconhecimento a Jodi e Megan pela coragem, mas também às mulheres que se arriscaram para proteger as outras e mudar essa cultura”.