“O último voo das borboletas” foi escrito e ilustrado por Kan Takahama e publicado pela editora Pipoca e Nanquim, em 2019, pelo preço de R$44,90, contando com 172 páginas. Para quem acompanha o mundo dos quadrinhos, não é estranho já ter visto essa história em algum lugar. A primeira coisa que chama a atenção nessa edição costuma ser seu acabamento gráfico que é um dos atrativos da editora que o publicou.
Fica o destaque da capa com detalhes com verniz localizado e uma sobrecapa, além do marca-páginas que vem junto da edição.
Dizem que não se deve julgar um livro pela capa, mas que jogue a primeira pedra quem nunca comprou um livro por achá-lo bonito. Acho curioso esse começo porque a primeira coisa que chama atenção nesse quadrinho é seu acabamento gráfico e a arte. Para este que vos escreve, as histórias e o roteiro nunca chamaram tanta atenção por si, a arte sempre foi seu grande chamativo, então a expectativa era ler um quadrinho bonito com talvez uma história razoável, e tive uma grata surpresa.
Um dos primeiros destaques vai para a influência francesa da autora, que, para quem não sabe, é um dos mercados mais influentes nos mangás no mundo, sendo o segundo maior mercado neste ramo, o que faz a narrativa escapar do padrão dos mangás do “mainstream” e que serve como uma ótima introdução para quem não conhece ou não gosta tanto de mangá.
A história é ambientada no fim da era Edo no Japão. Este período é aquele que ficou conhecido como xogunato, período de ouro dos Samurais, que foi de 1603-1868, onde grandes senhores feudais controlavam o Japão, o deixando fechado para o resto do mundo. Ele se encerrou apenas em 1868 quando ocorreu a restauração Meiji, onde o governo imperial recuperou sua autoridade e abriu o Japão para o mundo (período onde se passa a história do famoso mangá e anime “Samurai X”).
Na narrativa em si, conhecemos a história de Kicho, uma bela cortesã de Nagasaki. Cortesã (em japones Oiran) seria uma mulher (ou mulheres, no caso do quadrinho) de diversão, que concede entretenimento, não necessariamente sexual, estando relacionado com música, conversação e escrita. /
Nesse contexto, existia uma relação hierárquica, onde existiam as “Yuujo”, que significa “mulheres de prazer” ou prostitutas, que seria uma classe inferior às Oiran. Dentre disso, existiam aquelas que seriam a elite, conhecidas como Tayu, uma em cada mil mais ou menos, que seriam uma espécie de prostitutas da alta classe. Só para salientar, queria deixar registrado que Gueixas seriam pessoas, tanto homens quanto mulheres, que estudam a arte do entretenimento, bem distante do conceito de prazer sexual, tanto que até se fala em uma proibição de gueixas exercerem esses serviços sexuais.
Nesse momento do Japão (era Edo), a prostituição era legalizada e a existência dessas “casas de diversão” era coordenada pelo governo , que sempre existiram, mas desde o século XVI passou a ser regulamentada pelo governo japonês. Contudo, esses lugares eram isolados da cidade e recebiam o nome de “Yuukaku”, que perduraram até a proibição desse tipo de estabelecimento, em 1956. Esse é um dos pontos que diferem as gueixas também.
Kicho é uma “Tayu”, conhecida como uma serpente que enlaça os homens, por conta de sua gentileza, beleza e educação. A história acompanha essa Tayu e desvenda pouco a pouco suas motivações quanto a seu passado e mostra sua relação com os estrangeiros, que é um elemento bem importante na história e no período.
No início da história, não sabemos exatamente a origem da Kicho, mas, apenas para dar um contexto, nesse período, as famílias mais pobres vendiam suas meninas que passavam a trabalhar nesses bordéis, e a única forma de sair era pagando suas dívidas. Algumas conseguem juntar e pagar, enquanto outras são pagas por homens apaixonados. Pelo que eu entendi, as crianças que chegavam eram selecionadas para se tornarem algum dos tipos de cortesã e, em geral, viravam ajudantes das mais velhas, tanto que uma das personagens importantes é a Tamao, que depois será a protagonista em outra série chamada “A Lanterna de Nix” previsto para agosto desse ano.
A citação de todos esses elementos contextuais são importantes porque a motivação dos personagens está muito ligada com esses elementos, e isso é o que dá o brilho à história. A narrativa em si é bem calma, mas tem certas reviravoltas. Eu acredito que, se for com a expectativa certa, é possível curtir muito o quadrinho. É comum subestimar os volumes únicos e, se for possível, recomendo ler com essa expectativa, mas é um engano achar que não seria possível entregar uma história profunda.
O ritmo me lembra muito os livros do Natsume Soseki, famoso por livros como: “Eu sou um gato”; “Sanshiro” e “E depois”, por conta de ser algo muito delicado, cujas reflexões vêm em frases curtas e que, para maior compreensão, exige um estudo do contexto. Aproveitando, fica a recomendação desse clássico da literatura japonesa, publicado no Brasil pela editora Estação Liberdade.
Eu tentei pesquisar sobre a Kan Takahama, mas não encontrei muita coisa, o que posso acrescer é quanto ao trabalho pesado de pesquisa que ela fez, no qual ela visitou os locais de fato e procurou adotar os termos utilizados na época. Queria deixar aqui as fotos de alguns dos locais reais que ela se inspirou. Isso fica até como uma referência na parte debaixo da capa, onde aparece o lugar que se passa a história sendo visitado por turistas.
Por fim, gostaria de trazer as questões que o quadrinho me fez pensar. A relação entre conformismo e contentamento, a vida da Kicho tem um sentido que ela não escolheu para si, mas ela aceita seu destino para seguir adiante por saber que tem um fim. Por mais que a vida ali não seja a melhor das coisas, a autora mostra que ali havia algo além da desgraça e que é possível encontrar beleza em momentos horríveis da vida. Para mim, a Kicho sempre é contente com o que tem, mas quando ela perde o motivo de continuar seu dia a dia, ela percebe que se conformar com uma vida ruim é praticamente impossível, agora, se vivemos contentes ou conformados com a vida, cabe a cada um de nós saber. É uma linha tênue, no mínimo.
Espero que tenham gostado, não se esqueçam. Bem, até a próxima.
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Fonte das questões históricas: https://www.japaoemfoco.com/oiran-as-cortesas-japonesas/