Renato Russo 61 anos: Conheça alguns detalhes sobre a discografia da Legião Urbana

No último sábado, Renato Russo completaria 61 anos. Nascido em 27 de março de 1960, Renato Manfredini Junior foi líder de uma das maiores bandas brasileiras de todos os tempos, a Legião Urbana, deixando sua marca através de canções atemporais sobre questões sociais, política, amor, sexualidade, tornando-se um dos grandes nomes da história da música brasileira.

Nesta matéria, iremos comentar os álbuns de estúdio lançados pela banda brasiliense entre 1985 e 1997, que entraram pra história da nossa música com hinos que atravessam gerações. Confira!

Legião Urbana (1985)

Gravado no final de 1984, o álbum de estreia da Legião Urbana é um marco na a história do rock nacional.

Com auxilio de Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso – estourados à época com o hit Vital e Sua Moto – , a Legião foi contratada pela EMI-Odeon em 1983.

O início dos trabalhos não foi nada fácil. Desentendimentos com produtores como Marcelo Sussekind e Rick Ferreira fizeram parte do período de pré-produção do disco. A banda pensou em desistir do contrato, porém, após uma conversa com o diretor musical Mayrton Bahia, responsável por boa parte da discografia do grupo, a relação gravadora-grupo começou a se acertar.

O período ficou marcado pelo episódio onde Renato Russo corta os pulsos após uma discussão familiar, ficando impossibilitado de tocar Baixo. Além de vocalista, Renato era baixista e faltava uma semana para o início das gravações no Rio de Janeiro. Com isso, o baterista Marcelo Bonfá convidou o amigo Renato Rocha (1961-2015), o Negrete, para entrar para o grupo, transformando a Legião em um quarteto. Essa formação durou até 1989.

Lançado em 2 de janeiro de 1985, o álbum foi produzido pelo jornalista José Emílio Rondeau, que havia trabalhado no disco de estreia do Camisa de Vênus lançado pela Som Livre em 1983. A sonoridade é predominantemente pós-punk, com influências de Gang of Four, Public Image Ltd., Television, Joy Division, e as primeiras fases do Talking Heads, The Cure e U2.

Ofuscado pela primeira edição do Rock in Rio – que aconteceu naquele verão – e pelo fato do rock brasileiro estar voltado a uma sonoridade mais pop, encabeçada por Blitz, Lulu Santos, Barão Vermelho, Lobão e Os Ronaldos e os próprios Paralamas, o grupo começa a se destacar somente no final daquele ano. Os hits “Será”, “Ainda é Cedo”, “Geração Coca-Cola”, fizeram o álbum chegar a marca de 80 mil cópias vendidas em 1985 e rendeu o disco de ouro ao grupo no ano seguinte.

Outros destaques são “A Dança”, com excelente linha de baixo executada por Renato Rocha, “Petróleo do Futuro”, “Perdidos no Espaço” e “Teorema” – regravada pelo Ira! anos mais tarde – e o forte trabalho poético de Renato evidenciado em “Soldados”, “Baader-Meinhof Blues” e “Por Enquanto”, famosa na voz de Cássia Eller. O álbum foi relançado em uma edição remasterizada em 2015 e sem dúvida é um dos melhores álbuns de estreia da história da música brasileira.

Dois (1986)

Pensado como um álbum duplo, o grupo tinha a intenção de registrar novas canções, somadas a composições antigas do período do Aborto Elétrico – banda que Renato teve com os irmãos e Flávio Lemos, membros do Capital Inicial – e temas instrumentais compostos por Bonfá. Intitulado “Mitologia e Intuição”, o projeto foi recusado pela gravadora, tornando-se um álbum simples.

Lançado em julho de 1986, “Dois” pegou o período do Plano Cruzado, conjunto de medidas econômicas criado pelo então ministro da fazenda Dilson Funaro (1933-1989). Com o congelamento de preços, o consumo foi estimulado e diversos artistas venderam muitos discos na época. O álbum chegou a marca de 1,8 milhões de cópias vendidas, sendo o segundo disco mais vendido do grupo

Produzido por Mayrton Bahia, o álbum apresenta forte influência pós-punk dos Smiths – notória no primeiro single “Tempo Perdido” – e elementos folk de artistas como James Taylor, Cat Stevens, Nick Drake, Bob Dylan e Neil Young. O guitarrista Dado Villa-Lobos diz que Renato lhe entregou uma fita com canções desses compositores, para que pudesse absorver essas referências. Outros destaques são “Eduardo e Mônica”, “Índios” e “Quase sem Querer”.

O texto de Renato fica ainda mais forte através de canções como “Acrillic on Canvas”, “Daniel na Cova dos Leões”, “Andréa Dória” – em referência ao navio italiano naufragado próximo a cidade de Nantucket, Massachusetts em 25 de julho de 1956 – , “Música Urbana 2” e em músicas mais roqueiras como “Plantas Embaixo do Aquário” e “Metrópole”. A partir da turnê desse disco, a banda sai do circuito alternativo de casas noturnas e passa a se apresentar em grandes ginásios.

Que País é Este (1987)

Lançado no final de 1987, o disco é composto por canções do repertório do Aborto Elétrico (1978-1982), que foram descartadas junto ao projeto que gerou o álbum anterior. Sendo assim, “Que País é Este” é o álbum mais pesado da carreira da banda. Músicas como “Conexão Amazônica”, “Tédio (Com um T Bem Grande pra Você)” e “Mais do Mesmo” dão a tônica punk ao trabalho

A faixa-título, composta em 1978 e regravada futuramente pelos Paralamas do Sucesso, Capital Inicial e Titãs é considerada uma das canções mais politizadas da história do nosso país. “Que País é Este” foi a segunda música mais executada no Brasil no ano de 1987 e está em 81º lugar na lista das 100 Maiores Músicas Brasileiras da Rolling Stone Brasil.

O ska “Depois do Começo” e hits como “Angra dos Reis” e “Eu Sei” também são outros bons momentos do disco. Mas o grande destaque é “Faroeste Caboclo”, que narra a saga de João de Santo Cristo. Escrita em 1979, a letra possui cerca de 159 versos e se transformou em longa-metragem de mesmo nome, rodado em 2013 pelo diretor Renê Sampaio e protagonizado por Fabrício Boliveira e Ísis Valverde.

O período ficou marcado pela apresentação no Estádio Mané Garrincha em Brasília no dia 18 de junho de 1988. Problemas com a organização do evento, a atuação da polícia e até bombas caseiras causaram tumulto e o clima ruim prosseguiu durante todo o espetáculo. 63 pessoas foram presas e 230 ficaram feridas. Após um fã invadir o palco e agarrar Renato pelo pescoço, o show foi encerrado. Após esse incidente, a banda se afastou dos palcos para se dedicarem ao próximo trabalho e nunca mais tocou em sua cidade natal.

As Quatro Estações (1989)

Após o malsucedido show no Estádio Mané Garrincha, a Legião Urbana decidiu entrar em estúdio. Com novo contrato, a banda teve um maior prazo para gravar o novo repertório, tendo levado exatas quatro estações para gravar o disco, entre julho de 1988 e agosto do ano seguinte. Neste mesmo período, o baixista Renato Rocha deixou o grupo após inúmeros problemas decorrentes da falta de comprometimento com o trabalho da banda.

“Parece cocaína mas é só tristeza” são os versos que abrem “As Quatro Estações”, lançado em 26 de outubro de 1989. O álbum emplacou nove músicas nas rádios de todo o Brasil, dentre elas “Há Tempos” e a emocionante “Pais e Filhos” – com arranjo inspirado em “Fast Car”, sucesso da cantora norte-americana Tracy Chapman – , as primeiras faixas do disco.

O lirismo e temas religiosos estão presentes nas faixas “Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto”, “Monte Castelo” – com citações da Luís de Camões (1524-1580) em seu “Soneto 11” e o capítulo 13 do livro de Coríntios, presente na Bíblia – e “Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar”. Ditadura Militar (1964-1985) em “1965 (Duas Tribos)”, AIDS em “Feedback Song for a Dying Friend”, feita em homenagem a Cazuza (1958-1990) e ao fotógrafo Robert Mapplethorpe, com tradução em português feita pelo poeta Millôr Fernandes (1923-2012), “Maurício”, composta para um fã da cidade de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, e bissexualidade no sucesso “Meninos e Meninas”, que fez parte da trilha sonora de “Rainha da Sucata” (Rede Globo, 1990). Na época, Renato dizia que a canção estava na novela errada, pois era telespectador de “Pantanal” (Rede Manchete, 1990), trama exibida na emissora concorrente e no mesmo horário.

A banda iniciou a turnê de divulgação do disco em 1990, durante o Plano Collor. Pela primeira vez, o grupo utilizou uma banda de apoio, formato que seguiu até 1995, quando excursionaram pela última vez. Destaques para as apresentações históricas no Jockey Club do Rio de Janeiro em 7 de julho, dia da morte de Cazuza e filmado pela Rede Manchete, no Estádio Jornalista Felipe Drummond, o Mineirinho em Belo Horizonte na noite de 9 de julho e no Parque Antártica (atual Allianz Parque) nos dias 11 e 12 de agosto. Esses dois últimos shows viraram o álbum póstumo As Quatro Estações ao Vivo (EMI, 2004).

No fim daquele ano, Renato teve problemas decorrentes do alcoolismo e após alguns exames, foi diagnosticado como HIV positivo. Até hoje, As Quatro Estações é o álbum mais bem sucedido da Legião Urbana, com 2,6 milhões de cópias vendidas.

V (1991)

Citado também na série “Safra 1991”, feita pelo NEXP entre fevereiro e março, “V” foi gravado em plena crise econômica do Plano Collor e em um momento difícil da vida de Renato, que havia descoberto ser soropositivo e enfrentava problemas com álcool. O álbum reflete a situação do Brasil daquele período em letras fortes como “Teatro dos Vampiros” e “Metal Contra as Nuvens”, um tema progressivo de 11 minutos, sendo a canção mais longa da história da banda.

O álbum possui forte influência medieval, progressiva e até mesmo setentista em músicas como “L’âge D’or”, “A Montanha Mágica”, a instrumental “A Ordem dos Templários” e na faixa de abertura, “Love Song”, do trovador Nuno Fernandes Torneol. Destaques para “Sereníssima”, “O Mundo Anda Tão Complicado” e “Vento no Litoral”, que ilustra a situação emocional de Renato na época.

Em decorrência dos problemas de dependência química de Renato, a turnê foi curta, durando apenas dois meses. O álbum, que vendeu menos em relação aos anteriores, não possui videoclipes. A banda optou por participar do programa Acústico MTV ao invés de produzir vídeos para as músicas de trabalho. O show foi gravado e exibido pela emissora em 1992 e foi lançado em CD, VHS e DVD seis anos mais tarde.

O Descobrimento do Brasil (1993)

Após superar os problemas com o álcool, Renato Russo mostrava-se mais otimista com relação ao futuro e a vida. Isso se reflete nas composições de “O Descobrimento do Brasil”, considerado por muitos como o disco “mais feliz” da carreira da Legião.

Lançado no final de 1993, o álbum foi gravado sem auxilio de músicos contratados – assim como As Quatro Estações -, sendo que Renato e Dado se revezavam no Baixo, além de terem utilizado instrumentos inusitados como Bandolim e Sitar em “Giz” e “Love in the Afternoon”, que se destacaram nas rádios.

A banda bebeu muito na fonte do grunge, movimento em voga na época através das bandas Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains. “Do Espírito”, “La Nuova Gioventú” e o principal sucesso do disco “Perfeição”, apresentam esses elementos. A música teve um videoclipe produzido pela MTV Brasil e exibido diversas vezes na emissora durante o ano de 1994.

A aura alegre do trabalho está presente em faixas como “Vinte e Nove”, “Os Anjos”, “Um dia Perfeito”, “Vamos Fazer um Filme”, “O Descobrimento do Brasil”, “Só Por Hoje” e na instrumental “O Passeio da Boa Vista”, composta por Bonfá.

Para promover o disco, a banda se apresentou no Programa Livre e no late-night Jô Soares Onze e Meia (SBT), além de entrevistas para Zeca Camargo na MTV e uma aparição no Disk, principal parada de videoclipes da época.

O grupo realizou sua última turnê, com 12 shows entre maio de 1994 e janeiro de 1995. As apresentações na casa de shows Metropolitan no Rio de Janeiro renderam um especial para Rede Bandeirantes e o álbum ao vivo Como É que Se Diz Eu Te Amo, lançado em 2001.

A Tempestade ou O Livro dos Dias (1996)

Gravado entre janeiro e junho de 1996, o disco foi pensado como um álbum duplo, projeto novamente recusado pela EMI. Após gravar trabalhos solo, Renato Russo já estava bastante debilitado em decorrência do vírus da AIDS e não quis gravar as chamadas vozes definitivas para as canções, exceto “A Via Láctea”, música de trabalho do disco. As vozes presentes no álbum são todas de primeiro take, conhecidas como vozes guia.

“A Tempestade” é considerado o disco mais triste do grupo, onde grande parte das letras foram escritas durante a evolução da doença de Renato. Canções como “L’Avventura”, “Longe do Meu Lado”, “Quando Você Voltar” e “Mil Pedaços” possuem forte carga melancólica e depressiva. Outras como “Leila”, “Esperando por Mim” e “Soul Parsifal” – em parceria com Marisa Monte – falam de questões cotidianas e trazem um pouco de leveza para o álbum. Outros destaques são as faixas “Dezesseis” e “1º de Julho”, gravada anteriormente por Cássia Eller.

O disco chegou as lojas em 20 de setembro de 1996. Em 11 de outubro, três semanas após o lançamento, Renato Mafredini Junior faleceu aos 36 anos em sua casa no Rio de Janeiro, após 6 anos de luta contra o vírus HIV. Dias depois, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá anunciaram que iriam trabalhar nas sobras de estúdio do disco e decretaram o fim da Legião Urbana.

Uma Outra Estação (1997)

Meses após o falecimento de Renato, os membros remanescentes do grupo voltaram ao estúdio para trabalhar em cima das sobras que iriam compor o álbum duplo recusado pela gravadora em 1996. Esse material deu origem a “Uma Outra Estação”, lançado em julho de 1997.

Boa parte do material do disco foi gravado e composto em 1996, como a “Uma Outra Estação”, “As Flores do Mal”, “A Tempestade”, “Comédia Romântica”, “Antes das Seis”, “La Maison Dieu” e “Sagrado Coração”, que não chegou ter a voz gravada por Renato. Outras como “Dado Viciado”, “Marcianos Invadem a Terra” e “Mariane” já haviam sido compostas no período onde o vocalista se apresentava como Trovador Solitário, no início da década de 1980.

Com as participações de Carlos Trilha, Bi Ribeiro (Os Paralamas do Sucesso) e do ex-baixista Renato Rocha, as faixas tiveram a coprodução do músico Tom Capone, falecido em 2004. O álbum vendeu cerca de 750 mil cópias no ano de seu lançamento e juntamente com A Tempestade, foi lançado pela primeira vez em vinil através da Polysom em 2010.

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