O filme “Mank”, dirigido por David Fincher, que chegou ao público em novembro de 2020, é um fenômeno não somente por liderar a corrida pelo Oscar deste ano, mas também por dar vida a uma das primeiras obras primas do cinema, “Cidadão Kane”.
O longa vai além da criação da obra de Orson Welles e implica discussões filosóficas e abstratas ao tratar da questão do cinema americano.
O roteiro original do filme foi escrito pelo pai do diretor, Jack Fincher, durante a década de 1990. Com o falecimento do pai, David então deu sequência a obra e, como um investimento da Netflix, o longa ganhou vida.
Entre o elenco está Gary Oldman, que interpreta o personagem titular de “Mank”. A trama narra a vida de Herman J. Mankiewicz (conhecido como Mank) no período em que sua carreira ascendia em Hollywood.
Contratado por Orson Welles para escreverem juntos o que viria a ser a obra cinematográfica “Cidadão Kane”, Mank não imaginava as situações sob as quais seria colocado.
Durante os anos de 1920, quando se iniciou o período conhecido como a “Era de Ouro de Hollywood” (que durou até os anos 60), Mank começou a se destacar com suas obras enquanto o cinema enfrentava uma transição de filmes mudos para o falado.
Ao se aproximar de Welles, a dupla começou a produzir o roteiro da célebre obra “Cidadão Kane”. Desse modo, “Mank” fala inicialmente sobre como os garotos prodígios da cena de Hollywood mudaram o “fazer cinema”.
No entanto, o ponto forte do longa retrata o período entre a conclusão do roteiro e a produção e estreia do filme, que foi marcado por intensos conflitos entre seus autores. Para a Netflix, autora de “Mank”, o seu personagem-título é o verdadeiro autor da produção de “Kane”.
O filme também tem outros aspectos além da discussão de quem realmente possui a autoridade final da obra. O longa traz aos espectadores uma discussão sobre o próprio cinema e suas engrenagens, mostrando que a sétima arte é um dos pilares dos Estados Unidos.
“Mank” é pontual ao relevar a manipulação da indústria através do cinema, capaz de produzir entretenimento para as massas ao mesmo tempo que impõe questões políticas, sociais e econômicas para seu público.
Com um toque ácido, Fincher retrata ao mesmo tempo dois grandes momentos dos EUA: A fase de ouro do cinema americano e os efeitos da Grande Depressão da década de 30, cenário onde “Cidadão Kane” foi produzido.
A fotografia de “Mank” fez toda a diferença para a autenticidade do longa. Assinado pelo diretor de fotografia Erik Messerschmidt, o filme foi gravado em preto e branco com câmeras digitais e as cenas foram envelhecidas para parecer uma filmagem antiga, datada da época da história.
A técnica de utilização intensa de luz e sombra dá um aspecto de suspense para a trama, como se algo ruim sempre estivesse na iminência de acontecer. O uso da profundidade de campo e a gravação de planos sequências que remetem a “Cidadão Kane” tentam mesclar as obras.
As técnicas propostas por Fincher revelam a experiência do audiovisual utilizada por filmes da década de 30 e 40, assim como se transforma em uma carta de amor ao cinema hollywoodiano da época.
Mas essa não é a primeira direção de David Fincher. O cineasta possui grandes produções em seu currículo como “O Clube da Luta”, “A Rede Social”, “Se7en – Os Setes Crimes Capitais”, “Garota Exemplar” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”.
Conhecido no mundo cinematográfico, Fincher manteve pulso firme em sua decisão de retratar o mais fiel possível às ideias de seu pai em “Mank”, fazendo com que diversas cenas fossem regravadas por questões de detalhes minuciosos. Após a Netflix dar uma espécie de “carta branca” para o cineasta, diversas tomadas foram repetidas para captar nuances quase imperceptíveis e acertar as técnicas de transições da época.
Contando com um elenco de peso, entre eles Gary Oldman e Amanda Seyfried, a insistência do diretor rendeu bons frutos: Seyfried foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Gary Oldman também não ficou de fora dos elogios da crítica: Ao dar vida a Mank, um alcoólatra inconsequente e inconveniente, Oldman conseguiu evidenciar a essência do personagem, o que também lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator.
Além da indicação dos atores, as fotografias e as incessantes regravações de cena e a belíssima história dirigida por Fincher tornaram “Mank” um dos longas com mais indicações ao Oscar 2021, totalizando dez.
Entre as categorias indicadas, estão: Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte, Melhor Maquiagem e Penteados, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Design de Produção e Melhor Som.
Mesmo para quem não conhece a história de “Cidadão Kane” — uma das obras mais prestigiadas do cinema —, o paralelo traçado em “Mank” e a obra de Welles (neste caso, de Mankiewicz) são assertivos ao mostrar o desenrolar e fim de uma época e a desilusão com o “sonho americano”.
“Mank”, de David Fincher, está disponível na Netflix: