Como qualquer manifestação do pensamento humano, sempre há dubiedades e complexidades para se entender de maneira completa. E mangás não são exceção! Não é possível dizer que toda obra possui infinitas interpretações, pois o objetivo do autor ainda pesa na hora de se interpretar e alguns mangás me fazem pensar que às vezes a obra vai além da vontade do autor.
“Boa noite Pun Pun” por exemplo, é um mangá que trata de depressão em seus aspectos mais reais e de certo modo até de maneira intensa. Um debate feito entre os fãs, sempre foi sobre a mudança da figura do Pun Pun que muda de um passarinho para um triângulo e depois um demônio e etc. Já vi em certa entrevista que para ele não tinha de fato um significado, mas o autor não atribuir um valor para aquilo tira a possibilidade de se obter algum significado?
Gosto de pensar que se nós não conhecemos nem a nós mesmos em totalidade, quem dirá a expressão disso, mas claro, como eu disse antes ainda assim o autor tem voz de autoridade. Você pode me perguntar se há um critério objetivo para definir os limites de uma interpretação e eu penso que uma resposta sincera seria: “sei lá”, mas ainda tem coisas que podem ser pensadas sobre. Contudo a última coisa que quero é ficar “criando regras”.
Para pensar no assunto acho que o primeiro ponto é tentar entender. O mangá é do autor para si ou para o público? Você pode responder; depende. E a resposta está certa, e por conta disso conhecer mais sobre o autor que se está lendo, é algo que acresce na experiência. Ainda não tive a oportunidade de ir atrás, mas o autor de ‘Boku no Hero’ se inspira em algum autor de fato? No volume 23 o livro do Re-destro, novo vilão, parece uma clara referência ao manifesto comunista de Karl Marx e, isso em minha opinião aumentou o seu entrosamento com a leitura ao notar, um possível paralelo com a realidade de Marx e Engels, sem usar critérios valorativos pense que o contexto, a publicação do manifesto é o de intensas mudanças sociais, nas quais o homem mudou a própria interpretação de si mesmo e é algo similar a ideia do vilão líder da frente de libertação dos dons. Agora pode ser que o autor não tenha pensado em nada disso, eu ficaria particularmente decepcionado, mas vamos imaginar que o autor de fato fez para os fãs, o que penso ser o mais provável, mesmo que não seja essa a ideia dele será que isso uma extrapolação da mensagem do autor?
Isto me leva a uma segunda pergunta: Por que você lê o mangá? Óbvio que essa é uma das perguntas mais subjetivas possíveis, mas a grosso modo imagino três tipos de leitores, os admiradores, os que produzem reflexionamento e os que se apropriam da obra para si.
Lembre-se que: critérios não valorativos, o fato de você se identificar com um desses tipos de leitores ao menos em minha opinião, não são nem bons, nem maus.
Os admiradores são aqueles que lêem de maneira mais “descompromissada” eles gostam e se envolvem na história e a questão é que o mundo é do autor e ele(leitor) é um mero admirador que quer se identificar com esse mundo e com suas características. Normalmente ele não pensa em criar sentido as coisas, mas prefere que lhe seja dado. Isso por conta de se sentir um visitante no mundo. Isso foi minha experiência com “Pun Pun”, pois eu travei ao reflexionar e ao trazer, até por conta disso penso em reler eventualmente.
Os que praticam reflexão, não são os “inteligentes”, eu diria que são aqueles que se sentem parte ativa do mundo e gostam de sentir que tem algo a mais que o autor não disse ou não pensou de maneira consciente quando escreveu, algo semelhante ao que eu fiz na parte que falei sobre “Boku no Hero”. Não penso que seja de fato problemático, mas acho que se for feito com bom senso é algo que pode tornar uma fandom algo legal de se participar.
Falando agora dos que se apropriam do mundo, esse eu levantaria que talvez seja meio problemático, não errado, mas problemático. Esse é o caso de animes com finais abertos como ‘Cowboy Bebop’ por exemplo, pode me questionar e gritar: “ah mas não é aberto” ,então o final de ‘Ashita no Joe’, melhor?
Enfim o ponto é que são leitores que gostam tanto daquele mundo que quando podem tentam se tornar donos deles. Isso pode soar pejorativo, mas não é. Ao menos do meu ponto de vista. Eu sou um amante de ‘Shigatsu Wa Kimi no Uso’ e ele é um mangá/anime que foi muito importante na minha vida, tanto que até hoje tenho dificuldades em rever, mas o ponto principal é o que mais importa para mim naquela obra vai além do que o autor quis dizer, mas o significado que eu dei a ela. A mensagem original ainda importa, mas não é mais digamos o brilho sabe? E penso que talvez não haja um modo certo de se interpretar um mangá, mas acho que quando lemos com sinceridade, já sabendo o porque e como você pretende ler, torna tudo mais proveitoso.
Para fechar, agradeço se chegou até aqui! Porém o ponto final é que como rios infinitos que guiam ao mar, a mente humana é uma canoa que gosta de testar caminhos. Você pode chegar ao mar, mas será que estaremos no mesmo mar que buscamos ao fim?