“Você está sempre assombrado com a ideia de que está perdendo sua vida” – Chuck Pahlaniuk. Esta é a frase que abre o blog pessoal de Elisa Lam, uma jovem cheia de sonhos. Com 21 anos, tomou coragem e resolveu sair da casa em que morava com sua família, rumo ao mundo.
Sua primeira e última parada foi a cidade dos sonhos, Los Angeles. Saiu do Canadá com poucos pertences e seu marcante casaco vermelho, voou para os Estados Unidos e aterrissou em Hollywood.
Para chegar em seu destino, atravessou as ruas de um dos bairros mais violentos dos Estados Unidos: Skid Row. São 56 quarteirões no coração da Cidade dos Anjos e seus caminhos abrigam milhares de pessoas em situação de rua, muitos envolvidos no tráfico de drogas e na prostituição.
Elisa Lam chegou a um suntuoso hotel na Rua Maine, no dia 28 de janeiro de 2013, onde havia reservado um quarto. Com 700 dormitórios, um lobby luxuoso e uma construção imponente e histórica, o que a canadense não sabia era que o infame Hotel Cecil já tinha sido palco para inúmeros suicídios, homicídios, overdoses, brigas e desaparecimentos. Inclusive, o dela própria.
“Cena do Crime — Mistério e Morte no Hotel Cecil” é uma minissérie da Netflix composta de quatro capítulos que tem seu foco na estranha história do desaparecimento de Elisa Lam e nos boatos e mistérios acerca do Hotel Cecil. Dirigido por Joe Berlinger, a trama é minuciosamente construída, com depoimentos de outros hóspedes, a gerente, o ex-funcionário chave na investigação, trechos retirados do seu blog, “detetives da internet”, entre outros.
A narrativa peca pelo excesso. A impressão que o telespectador tem é que a minissérie tem um capítulo a mais que o necessário, pois algumas informações são repetidas constantemente, assim como os comentários de que a história é “bizarra”, “estranha”, “não-convencional” e de que “algo errado aconteceu”. Elisa Lam desaparece naquele fatídico 31 de janeiro de 2013 e é encontrada 19 dias depois em um dos tanques de água no terraço.
Enquanto a polícia e a família a procuravam, os demais hóspedes se banhavam, bebiam e escovavam os dentes com aquela água pútrida. Além disso, Richard Ramirez, um notório serial killer, ficou hospedado durante meses em um dos quartos. A gerente, que trabalhou no local por dez anos, relatou ter encontrado em torno de 80 corpos, em vários quartos diferentes, tanto suicidas quanto vítimas de overdose e assassinato.
A trajetória do Cecil fala por si só. Não era necessário os personagens frisarem o tempo todo o quanto é fora do comum. O telespectador é subestimado, ele consegue chegar a essa conclusão sozinho.
Outro ponto a ser ressaltado é que as teorias da conspiração, principalmente as escritas online, ganham voz. Elas são apresentadas à medida que a narrativa se desenvolve e muitas vezes como possíveis soluções para os enigmas acerca daquele espaço e da morte de Elisa.
Vale ressaltar que o desaparecimento da canadense viralizou na web após a polícia de Los Angeles divulgar um vídeo que continha seus últimos instantes em vida, no elevador do hotel. A jovem faz alguns gestos bizarros e age de forma incomum.
Ganhando a atenção de milhares de pessoas, o caso se transformou rapidamente em uma creepypasta, ou seja, uma lenda urbana da internet, agitando os fóruns e as salas de bate-papo.
Nos minutos finais da minissérie, Joe Berlinger faz seu ponto. A série sugere explicações plausíveis para os estranhos comportamentos da canadense. Ela não estava tomando seus remédios psiquiátricos para controlar seu transtorno bipolar severo e o elevador que não fechava a porta estava com o botão “porta aberta” acionado, por exemplo.
Finalmente, a “personagem” de uma das creepypastas mais famosas da internet teve a sua imagem humanizada e passa a ser vista como o que sempre foi: uma mulher, estudante, que sofria com transtornos psiquiátricos, assim como muitos de sua geração, que sofreu um terrível e triste final. Um ser humano, que foi negligenciado e que precisava de ajuda e empatia. Elisa Lam ansiava pela vida e por viver.
As vítimas do Hotel Cecil não merecem ser resumidas a meros personagens coadjuvantes de uma lenda urbana. São pessoas que enfrentavam dificuldades, adversidades no trabalho, na família ou nos estudos. São seres humanos que precisavam se entorpecer ou fugir para conseguirem lidar com seus problemas, pois não tinham acesso a qualquer tratamento. Muitos não são nem um, nem outro. Apenas vítimas, das mãos de alguém mal-intencionado e do Estado.
Por fim, Berlinger desmistificou tanto o local quanto às vítimas. Quem assiste percebe que, independente dos contos e das lendas, a dor, o desespero e o medo daquela mulher e de muitos outros era real. Quem os acolheu foi o Cecil, local no qual entraram e nunca mais saíram.