Recentemente se iniciou uma discussão no mundo dos leitores de quadrinhos, por conta de um programa de perguntas e respostas produzido e apresentado por Chuck Dixon, mais conhecido pela criação do vilão Bane na saga “A Queda do Morcego” que ocorreu nas revistas do Batman na década de 90. A polêmica começou recentemente em seu canal do Youtube respondendo a um dos grandes debates do momento no mundo dos quadrinhos, que é quanto a competição entre os grandes quadrinhos de heróis e os quadrinhos japoneses, os mangás.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=utGdLiGOWFg&t=20s
Minutagem: 20:26 – 24:55
Perguntaram a ele sua opinião quanto às vendas de mangá que tem limpado o chão com os quadrinhos americanos. A resposta foi bem curta, considerando o tamanho da discussão, mas acho que ele sintetiza bem três pontos que são interessantes de se comentar sobre.
No primeiro ponto, sobre a liberdade editorial e repetição da fórmula, é importante ressaltar as diferenças entre as editoras no Japão, pois lá falamos de diversas editoras como Shueisha, Kodansha, Square Enix, Kadokawa e afins. Ou seja, extrapolamos a Marvel e DC, mas o que difere os mercados não é a quantidade de editoras, mas a metodologia de produção eu diria. Lá existe uma liberdade editorial diferente (Optei por não usar a palavra maior, porque existem pontos sensíveis lá que são diferentes dos nossos, então a questão de maior e menor é mais complexo). No contexto japonês existem mangás variados sobre Golf, e simplesmente golf, esse é o exemplo que ele usa para trazer seu ponto. Enquanto no mercado norte americano se mantém um loop eterno de personagens, no outro temos os mais variados personagens, universos e tudo mais.
Pode-se raciocinar que isso é o que torna as histórias mais pessoais, aproximando o autor da obra, lhe dando liberdade de expressar melhor as coisas. Diferente dos quadrinhos nos quais essa liberdade é limitada pela cronologia, pelos princípios dos personagens e afins. Ele deu uma entrevista no site> https://www.torredevigilancia.com/torre-entrevista-chuck-dixon/ e lá é mencionado que para ele o melhor trabalho do Bane é o seu por conta de ele ser criado o personagem. Então, não é de se espantar que esse seja um dos grandes pontos que o levam a crer que controlar e trabalhar algo que é puramente sua criação é melhor para o autor e para quem lê.
Isso não quer dizer que ninguém saiba trabalhar bem os personagens e que não possam haver novas e boas histórias de heróis, mas que em geral, o autor já inicia seu trabalho amarrado e limitado. Tanto que as histórias do aranha parecem ser sempre uma preparação para a próxima travando tudo e isso cansa com o tempo. Desde que o Aranha foi criado é possível que alguém tenha nascido lido homem aranha criança, acompanhado na adolescência tido filhos, netos, morrido e não tenha visto o Aranha passar dos 30, isso é bizarro.
O que leva a sua segunda crítica quanto às grandes editoras, que é sobre as agendas políticas, esse assunto é bem espinhoso, mas a opinião dele é que há cada vez mais uma imposição de agendas políticas que tem afastado leitores.
Esse assunto é complicado e merece um bate-papo de ao menos uma ou duas horas, mas em geral eu entendo o ponto dele, os autores em geral ficam limitados quando se sentem forçados a trazer um ponto, quando a parte inicial não é a história que leva a uma reflexão, mas uma reflexão que leva a uma história. Isso não quer dizer que para mim quadrinhos e política não se misturem, mas que às vezes parece menos uma vontade do autor e mais um pré-requisito ou mote de propaganda da editora. Esse é um assunto interessante de se refletir sobre, mas merece mais espaço e tempo. Vale salientar que não é porque há política, crítica social e afins que se está “lacrando”, porque de repente andam tentando tornar a falta disso uma virtude, o que não é.
Por fim, o ponto final é quanto à leitura casual. Hoje em dia ler quadrinhos de super-herói é quase um trabalho arqueológico, tem heróis que você não pode simplesmente pegar e ler sem passar 5 anos pesquisando e lendo sobre. Exagero ou não é por aí. Alguns defendem que isso é um dos brilhos dos quadrinhos, e de fato é, mas a impressão que prevalece é a de que se os quadrinhos americanos não se renovarem estão fadados a perder espaço para os mangás, e não entendo que se precise de mais um reboot, mas é necessário algo novo. O fim da cronologia não aparece para este que vos fala como a solução óbvia, mas com o crescimento da Image, o sucesso das séries vindas de selos independentes, surge a impressão de que em um futuro não tão distante os quadrinhos precisarão repensar sua forma de produzir e organizar seu universo.
Nos mangás em geral existe a possibilidade de simplesmente se pegar e ler uma história, sem ser um aficionado que vai para eventos e apenas lê para curtir. O que já não acontece com quadrinhos, leitores novos e casuais são raros, se não inexistentes e acredito que isso é um sinal de mudança. Onde isso levará a algo curioso e com certeza surpreenderá a todos.