Essa matéria é uma coletânea de resenhas sobre a série “Gen, Pés Descalços” feita volume a volume. O texto a seguir se refere ao volume 3. Se você ainda não leu o conteúdo anterior sobre a série, sugiro comece pela resenha do volume 1 e volume 2 antes de prosseguir a leitura.
“Gen Pés Descalços – Volume 3: Trigo, é hora de brotar”
A guerra chegou ao fim, mas as provações de Gen e sua família estão bem longe disso. A fome, o desemprego, a doença e o preconceito com os sobreviventes da bomba atômica recaem sobre o povo japonês que agora, após a total rendição do Japão aos Estados Unidos, ainda lidam com o orgulho ferido e o sentimento de derrota.
A família de Gen também está separada, já que seu irmão Akira está no interior e seu irmão mais velho Kouji ainda não retornou do alojamento militar, mesmo assim a família cresce, com a surpreendente chegada de um novo membro!
E já que nem tudo é tristeza, neste volume Gen arruma um trabalho para ajudar sua mãe com as contas da família e lá ele conhece alguém que pode mudar seu futuro.
⚠️ [O texto a seguir contém spoilers] ⚠️
Chegamos ao terceiro volume da série “Gen, Pés Descalços” e depois de perambular pela cidade de Eba atrás de abrigo, Gen, sua mãe e sua irmãzinha são encontrados pela senhora Kiyo, que tentou abriga-los anteriormente, sendo contrariada pela própria sogra. Kiyo consegue hospedar Gen e sua família num depósito atrás de sua casa, cobrando um pequeno valor de aluguel para satisfazer sua rabugenta sogra.
Para ajudar sua mãe a manter a casa, Gen busca um trabalho e logo se torna cuidador de um sobrevivente da guerra, cuja família superficial e arrogante trata com nojo e desprezo. Seu trabalho lhe renderia três ienes por dia – atualmente equivalem a três mil ienes, cerca de 110 reais na cotação de junho de 2022. Logo no primeiro dia de trabalho, Gen enfrenta uma reviravolta inusitada: Ryuta, o menino que se parece com seu irmão Shinji e que no passado tentou roubar seu alimento a caminho de Eba, agora é acusado do mesmo crime por meninos mais velhos que querem punir o garoto a qualquer custo. Por seu bom coração e também devida a semelhança com seu irmãozinho, Gen ajuda o menino, sacrificando seu pagamento daquele dia e o levando para casa. Kimie, a mãe de Gen logo aceita o menino em sua família e as duas crianças desenvolvem um laço de irmandade, com Ryuta chamando Gen “maninho”, o que enche seu coração de alegria.
No trabalho, as coisas são um tanto mais complexas: o paciente que Gen deve cuidar é o pintor Seiji, desfigurado e adoentado pela explosão da bomba, que sofre enorme discriminação pelos membros da própria família. Seiji a princípio é rude com Gen, descontando sua frustração no menino, até este não suportar mais os maus-tratos e responder Seiji a altura. É nesse momento que Seiji compartilha com Gen seu sentimento de revolta com a família e ambos iniciam uma amizade, levando Gen se interessar em aprender a pintar e se tornar um artista como Seiji.
Sabemos que o autor, Keiji Nakazawa, criou Gen de forma bastante autobiográfica, portanto neste momento podemos estar testemunhando o nascimento do interesse do próprio autor pela arte de ilustrar. Na companhia de Gen e Ryuta, Seiji toma fôlego para viver, voltar a pintar – ainda que com a boca devido ao seu estado debilitado – brincar com os meninos, passear e até mesmo realizar uma pequena vingança contra seus hostis vizinhos e sua desalmada família. Infelizmente, Seiji não sobrevive muito tempo ao seu estado de fragilidade, deixando para a Gen a herança de todo seu material de pintura e plantando no menino a semente do sonho de ser tornar um artista.
Após a morte de Seiji, Gen e Ryuta tem uma nova responsabilidade: ir até o distrito de Yamagata buscar seu irmão Akira, que foi refugiado no campo. Durante a viagem, Gen e Ryuta conhecem dois irmãos que estão aplicando golpes nos fazendeiros da região para conseguir comida. Mas o que parece um ato de egoísmo, na verdade é uma ação das crianças para levar comida para a mãe acamada. Como é de se esperar do bom coração de Gen e Ryuta, eles ajudam as crianças antes de seguir viagem e encontrar Akira para trazê-lo para casa. Dias mais tarde, quando os três retornam para a casa de Kimie, o irmão mais velho Kouji também está de volta e todos os sobreviventes da família Nakaoka estão finalmente reunidos. Mas as notícias são boas e más: Kouji trouxe bastante alimento que ganhou no batalhão do exército que serviu, mas a família é novamente expulsa da casa que haviam alugado. Sem saída, Gen, sua mãe Kimie, seus irmãos Akira, Kouji, Tomoko e também Ryuta agora devem partir em busca de um novo lar.
O epílogo desse mangá, publicado originalmente no posfácio da edição japonesa de 1975, foi escrito por Jun Ishiko – crítico de mangás e filmes – que não expressa um momento de censura no Japão, como também reintegra a visão do autor sobre a diferença entre dizer que a bomba “caiu” e o que de fato aconteceu: a bomba foi lançada.