“Hadashi no Gen”, ou como ficou conhecido no Brasil, “Gen, pés descalços” é uma série de mangás que conta a história de Gen, um garoto de seis anos, que morava com sua família em Hiroshima em 1945, quando cidade é atingida por uma bomba atômica.
O próprio autor da série, Keiji Nakazawa, é um sobrevivente de Hiroshima, portanto a série “Gen, pés descalços” se baseia na experiência real do próprio autor. O mangá publicado originalmente no Japão em 1973 e aqui no Brasil em 2000 pela Conrad Editora, porém contava apenas com 4 volumes do mangá. Posteriormente, em 2011, foi lançada a coleção completa em 10 volumes.
Por se tratar de uma história complexa, essa resenha irá acompanhar todo seu desenvolvimento, volume a volume, assim como a série.
“Gen Pés Descalços – Volume 1: O nascimento de Gen, o trigo verde”
O primeiro volume retrata um período anterior a queda da bomba de Hiroshima – que ocorreu em 6 de agosto de 1945 – onde Gen Nakaoka vivia com sua família: sua mãe, seu pai, seu irmão Kouji, sua irmã Eiko, seu irmão e seu irmãozinho Shinji. Gen tem mais um irmão, Akira, que acaba de ser enviado para se refugiar no interior.
A história começa mostrando Gen, Shinji e seu pai trabalhando na plantação de trigo da família e logo apresentam a analogia que vai representar o desenvolvimento moral do protagonista: o tratamento do trigo. No Japão, costumava-se pisotear as plantações de trigo recém-germinado, para que eles produzam raízes fortes e bastante encravadas na terra. Assim o trigo se torna mais forte e consegue resistir a geada e ao vento opressor, produzindo espigas grandes e robustas. O pai de Gen afirma que quer que seus filhos cresçam firmes e fortes, como aquele trigo.
⚠️ [O texto a seguir contém spoilers] ⚠️
Em seguida, é introduzida a sociedade japonesa da época, à qual o autor faz uma sólida crítica: os japoneses de Hiroshima retratados na obra de Nakazawa se mostram cegamente resignados à guerra, interpretando-a como um ato de coragem e orgulho nacional, além de um ato de obediência à divindade do imperador do Japão. O pai de Gen é quem apresenta um contraponto, sempre falando que enquanto a população do Japão passa por racionamentos e fome, a elite, que se beneficia com a guerra, vive com conforto. Nakaoka também ressalta a ignorância da população em defender o prolongamento da guerra, sendo discriminado devido às ideias pacifistas e sendo taxado de “antipatriota”, sofrendo até mesmo agressões físicas por parte dos seus vizinhos e da polícia.
O leitor também não é poupado dos horrores da guerra. Detalhes aterradores são mostrados, como massacres em campos, abusos cometidos por oficiais durante o severo treinamento dos jovens soldados e pilotos japoneses, privações sofridas pela população e suicídios em massa da população japonesa. O autor deixa claro seu repúdio à guerra ao longo de todas as infelicidades encenadas ao longo do primeiro volume, que culmina com a queda da bomba nuclear em Hiroshima, matando o pai de Gen, sua irmã Eiko e seu irmãozinho Shinji.
O traço do mangá não possui refinamento estético, como é visto em shoujos como Utena, mas transmite com seriedade a história, incluindo uma riqueza de detalhes admirável. O texto contém tamanho realismo crítico do episódio da guerra no Japão que leitores japoneses enviaram cartas ao autor perguntando “se aquilo realmente aconteceu” e dizendo “nunca imaginei que a guerra e a explosão da bomba atômica tinham sido tão brutais. Mesmo no país cuja guerra foi retratada nesse mangá, as informações trazidas pelo relato praticamente autobiográfico de Keiji Nakazawa impressionam seus habitantes, sendo um lembrete constante da necessidade de uma memória dos horrores da guerra para que ela não ocorra novamente.
Uma curiosidade do volume 1 de “Gen, pés descalços” é que o prefácio da obra aqui no Brasil é assinado por Art Spiegelman, o ilustrador, cartunista e autor da graphic novel “Maus” acerca das experiências sofridas por um judeu polonês que sobreviveu ao Holocausto.
Em breve será publicada a resenha do volume 2, “o Trigo é Pisoteado”. Continue acompanhando e até lá!