A ficção científica sempre encontrou no futuro um espelho incômodo do presente — e é exatamente nesse território que Felipe Kato constrói a saga República Popular de Terranova. Ambientada no ano de 3084, a obra apresenta um mundo tecnologicamente avançado, eficiente e aparentemente perfeito, mas sustentado por um sistema de controle rígido, censura institucionalizada e corrupção estrutural. Por trás da promessa de progresso, a narrativa revela como o poder pode se reinventar para perpetuar desigualdades.
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A República Popular de Terranova é um macropaís que lidera o desenvolvimento científico, com vias aéreas, ciborgues, nanorrobôs, portais interdimensionais e até uma gigantesca redoma criada para proteger a população de uma atmosfera tóxica. No entanto, essa utopia tecnológica se mostra ilusória. Os avanços, vendidos como conquistas coletivas, funcionam como ferramentas de vigilância e dominação, ocultando manipulações políticas e práticas autoritárias que atingem todos os cidadãos.
O protagonista Thomas K., jornalista que atua em um dos últimos veículos de comunicação independente, é o fio condutor dessa distopia. Sua rotina muda drasticamente ao receber uma notificação judicial cobrando um débito bilionário de origem desconhecida. Ao buscar esclarecimentos em um órgão público, Thomas se depara com um sistema opaco e hostil. O que começa como uma tentativa burocrática de resolver uma dívida se transforma em um mergulho em uma engrenagem de injustiças, culminando em sua traição e prisão em um centro de reeducação — espaço destinado a punir e “corrigir” dissidentes do regime.
Em paralelo, a narrativa acompanha Susana, filha de Thomas, que se envolve com o Movimento da Revolução Solidária (MRS), organização clandestina que planeja uma rebelião para expor fraudes do governo e provocar uma guerra civil. Capturada por agentes do Estado, a jovem é submetida a processos de “correção” e transformada em um ciborgue, deixando de ser apenas uma dissidente para se tornar uma arma a serviço do próprio sistema que combatia.
Essa abordagem tem origem direta na trajetória profissional do autor. Advogado especializado em Direito Tributário, Kato transforma sua vivência jurídica em matéria-prima para a ficção, ampliando o debate sobre como sistemas fiscais podem ser usados para manter estruturas de poder. Como o próprio autor comenta, ele utiliza o conceito de impostos para criar um mecanismo que controla não apenas a economia, mas a própria forma como as pessoas vivem, trabalham e se expressam, explorando elementos da cultura geek e do imaginário cyberpunk para tratar o tema de forma crítica e provocadora.
República Popular de Terranova – volume 1 marca a estreia literária de Felipe Kato e se apresenta como uma saga que vai além do entretenimento. Ao imaginar um futuro dominado por dívidas, mentiras e tecnologias invasivas, o autor convida o leitor a refletir sobre os ciclos de opressão que atravessam diferentes épocas e sobre como o progresso, quando concentrado nas mãos erradas, pode se tornar mais uma ferramenta de dominação.
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